Doma sem violência
Zootecnia

Doma sem violência



Finalmente, o Brasil pôde ver uma demonstração de Monty Roberts, o encantador de cavalos, um tipo de missionário da doma sem violência.
O cowboy americano, que através de seu método já iniciou mais de 20 mil cavalos, que já vendeu mais de seis milhões livros mundo afora, se comoveu e fez muita gente chorar na sua passagem por Brasília, duas semanas atrás.
Para um caubói que dá lições de gentileza, a recepção é de cortesia e cavalheirismo. Na entrada do recinto onde iria passar quatro dias, Monty Roberts ganha escolta montada. Ele retribui com respeito cívico a saudação.
Não é com os profissionais do cavalo, com os domadores o primeiro compromisso de Monty Roberts na Granja do Torto. No picadeiro, ele acompanha os pacientes que freqüentam as sessões da Ande, Associação Nacional de Equoterapia.
Os pacientes da entidade são chamados de praticantes e apresentam diversos tipos de lesões físicas e psicomotoras.
Um dos casos que cativaram Monty Roberts foi o do Gabriel Kowalski, que vai fazer cinco anos. A história dessa criança é um exemplo de como tem vontade no mundo e como gente de coração grande.
Gabriel nasceu prematuro, de sete meses, teve paralisia cerebral, meningite, perdeu a audição nos dois ouvidos, não tinha coordenação motora para andar, para falar, para se sustentar. Mesmo com todos esses problemas, foi adotado pelo casal Sérgio e Clarissa Kowalski. Sérgio é médico do Exército. Quando servia num hospital militar de Natal, no Rio Grande do Norte, ficou sabendo do Gabriel que, acreditem, por causa de maus tratos, tinha sido tirado dos pais e levado para um abrigo.
Ele usa uma faixa na cabeça para segurar o aparelho que o ajuda a ouvir um pouco. Aquilo que em outras casas poderia ter sido um tormento é motivo de encanto para essa família.
A família está muito feliz com o resultado da equoterapia para o Gabriel. Ele já começa a ensaiar alguns passos e está mais firminho pra sentar. A cada dia agüenta por mais tempo a postura de montar. Está desenvolvendo mais até a fala. Agora, faz um exercício para identificar e encaixar argolas coloridas. 
Pergunto a Monty Roberts qual a mágica nesse processo. O que o cavalo tem que beneficia tanto assim os deficientes? “Desde o tempo das cavernas, o homem e o cavalo têm uma história profunda de colaboração. A gente o vê ajudando o Gabriel a fazer exercícios. Já criaram máquinas para isso, mas só o cavalo nos faz movimentar todos os músculos do nosso corpo“, explicou.
De fato, os estudos já mostraram que um cavalo a passo faz cerca de 700 movimentos corporais por minuto. Numa sessão de meia hora, por exemplo, são mais de 21 mil impulsos nervosos, ajustes tônicos, como se diz, que o animal transmite ao praticante. “É incrível como isso funciona para quem é comprometido física e psicologicamente”, disse Roberts.
Monty Roberts passa mais da metade do ano fora dos Estados Unidos viajando para divulgar a doma sem violência. Já fez mundo afora 1.850 apresentações. A demonstração, na verdade, é um verdadeiro show do encantador de cavalos, que o Brasil assistiu pela primeira vez em Brasília.
Esbanjando vitalidade, aos 75 anos, ele mostra que ainda é um cavaleiro em boa forma. Mas, o propósito não é se exibir e, sim, demonstrar técnicas que não usam violência.
Com a potrinha campolina, a Alegria, xucra de tudo, arredia, que nunca foi montada, Monty Roberts faz a clássica iniciação para a doma gentil, que o Globo Rural já mostrou em detalhes em outras ocasiões. “Eu não uso dor. Eu não imponho nada. O animal tem que querer fazer as coisas”, avisou.
Num prazo de 30 minutos, coisa que na doma bruta tradicional levaria dois ou três meses, ele consegue por a sela, dar as lições de direção e colocar um peão em cima, o primeiro cavaleiro da vida de Alegria. 
“Acho que foi uma experiência agradável para ela. Se continuarem assim, Alegria vai ser um égua muito boa, tranquila, sem traumas”, avaliou.
Monty Roberts tentou um desafio: destraumatizar um cavalo que ficou com medo de tudo. É um cavalo brasileiro de hipismo, de nove anos, que tem problemas comportamentais. Monty faz uma reeducação clínica.
Além do medo de qualquer coisa que se movimente, como uma folhinha ou o vento, ele também entra em pânico perto de água. Por uma lona simulando um laguinho, não passa de jeito nenhum.
Tudo indica que Asus foi espancado com pau e ultrajado com choque elétrico. Ele vive aterrorizado. “Montar num cavalo com esse nível de estresse é um risco grande. O batimento cardíaco dele pode passar de 200 por minuto. Ele pode explodir de medo”, alertou Roberts.
Monty Roberts aplica a técnica para ganhar confiança. Quando Asus já o está seguindo, vem com um bastão e tenta aproximar a ponta de borracha das costas dele.
Asus treme de medo, o corpo inteiro. Mas, com toda paciência do mundo, repetindo a manobra umas 30 vezes, ele consegue finalmente que o cavalo aceite a ponta do bastão na cernelha. Em seguida, ajudado por um auxiliar, também controlando muitas refugas, chega a encostar em Asus a outra ponta que tem plástico enroladinho. O cavalo permite até uma cocegazinha, ressabiado no último.
Para tentar tirar o trauma da água, estendem uma loninha grande representando um lago e dobram uma lona menor, como se fosse um riachinho. Monty incentiva Asus a passar. Quando o cavalo se habitua a pular sem medo, o riacho é alargado até Asus não ver outro jeito senão o de pisar no plástico. “O casco no plástico lembra não só barulho de água, mas de eletricidade também. Pensem como isso incomoda Asus”, explicou.
Então, Monty Roberts tira a guia e encoraja Asus a atravessar o lago totalmente solto, levado apenas pela livre e espontânea vontade.
“Gostaria que meu pai estivesse vivo aqui esta noite para ver como é possível domar sem crueldade”, falou.
A plateia se comove ao ver como a gentileza pode vencer o medo e conquistar a confiança. É um feito que mexe até com o treinador que procura a câmera do Globo Rural para declarar: “Nélson, realizamos uma façanha aqui esta noite; é como digo sempre: a violência não é a resposta”.

Globo Rural



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